A cocaína e o cigarro são reconhecidos como danosos, mas o álcool ainda é mantido fora das orientações médicas, afirmam especialistas. Os riscos do consumo de álcool durante a gestação ainda é ignorado por muitos médicos no Brasil. Em uma rápida busca na internet é possível achar informações confiáveis sobre os impactos do consumo de álcool durante a gravidez. Na Inglaterra do século 18, por exemplo, ocorreu a “epidemia do gin”, em que o abuso de bebidas alcoólicas por mulheres grávidas reduzia os índices de nascidos vivos, além de aumentar o número dos casos de retardo mental das crianças.
Embora a história reforce rapidamente o apelo negativo da combinação entre álcool e gestante, a classe médica brasileira – com um recorte especial aos obstetras e pediatras – insiste em não informar sobre os danos à saúde do bebê. Com base nessa realidade, a Sociedade Paulista de Pediatria lançou um manual com orientações e pesquisas científicas, voltada para médicos e gestantes, com o objetivo de alertar a população.
“Os médicos reconhecem os estragos do cigarro e de drogas como cocaína e crack durante a gravidez, mas poucos sabem sobre a influência negativa e os graves danos à saúde que o álcool pode causar”, afirma Aparecida Conceição, pediatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do grupo sobre os efeitos do álcool na gestante, no feto e no recém-nascido, formado pela Sociedade Paulista de Pediatria.
Nos EUA e na França, alguns trabalhos científicos e sensos nacionais apresentam o risco de forma mais alarmante. No Brasil, o gargalo está na capacitação dos médicos, no campo cientifico e também de diagnóstico. “Não temos nenhum dado sobre a incidência das doenças geradas pelo uso de bebidas durante a gestação. Como os médicos não têm conhecimento do assunto, também não sabem diagnosticar a doença.”
Com base em trabalhos internacionais, estima-se que para cada mil nascidos vivos, 1,5 apresentem a Síndrome Alcoólica Fetal completa, responsável por provocar restrição de crescimento, anormalidades neurocomportamentais (agressividade, por exemplo) e características faciais específicas.
Irreversível
Tal doença não tem cura, apenas controle. O diagnóstico pode ser feito durante as primeiras 48 horas de vida do bebê, por meio de exames clínicos ou de imagem, como a ultrassonografia cerebral.
“No caso de anomalias faciais, a comprovação da doença é mais automática. De qualquer forma, exames de imagem, hoje, conseguem mostrar a malformação do sistema nervoso central no cérebro”, explica Hermann Grinfeld, Doutor em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo.
Segundo os médicos, a incidência é expressivamente maior quando a doença se revela de forma mais branda: para cada mil nascidos vivos, 38,7 apresentam alguma anomalia, física ou comportamental.
Pesquisa nacional
Para tentar mapear o comportamento da gestante brasileira, Maria dos Anjos Mesquista, mestre em ciência da Saúde pelo Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público, realizou, durante dois anos, uma pesquisa com duas mil mães, de escolaridade média, atendidas no Hospital Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha e Hospital Cruz Azul, ambos em São Paulo.
Dessas, 74,4% não tinham planejado a gravidez. Mais de 40% consumiam álcool antes de engravidar, 54% consumiram álcool em algum momento da gestação e quase 22% ingeriram bebidas alcoólicas durante os nove meses de gravidez.
Para a especialista, nessa população, a carência de informação é ainda mais alarmante. O cigarro era reconhecido como vilão, mas o álcool ilustrava crendices populares absurdas. “Muitas mulheres acreditavam que a bebida aumentava a produção de leite. Para elas, o álcool não era nocivo como o cigarro e outras drogas.”
Embora a classe social das gestantes possa acentuar os riscos, Maria dos Anjos acredita que a desinformação é generalizada. “Independentemente do nível de escolaridade, a população não reconhece os riscos. Não há nível seguro de consumo de álcool nesse período. A recomendação, para aquelas que desejam ter filhos, é cortar a bebida assim que deixarem de usar métodos contraceptivos.”
Fonte: Por Lívia Machado, iG São Paulo